Victor Kloeckner Pires para o blog Mari pelo Mundo
É inegável a importância e a influência da Europa em todos os campos do conhecimento e das artes em todo o mundo. Afinal, sua história milenar é suficiente para justificar o quanto dela absorvemos em nosso modo de ser, agir e pensar.
Então, partindo-se da premissa que esta história é realmente importante, é decorrência dos pressupostos da cultura que a ela se agregaram vários objetos e artefatos como forma de materializá-la e perpetuá-la no cotidiano das pessoas.
Historicamente, o escambo foi uma forma de converter os objetos particulares em outros de maior necessidade ou até mesmo em dinheiro. É possível que os grandes mercados de objetos usados (que depois evoluiriam para antiguidades) tenham surgindo como uma prática de sobrevivência em tempos de crise (e foram muitas) que assolaram o território europeu.
Estas 3 são, talvez, as maiores da Europa. Para mim, são uma espécie de Disneylandia a céu aberto onde você pode levar os brinquedos pra casa. Então, vou contar um pouco de cada uma delas, fugindo dos roteiros comuns, do tipo turista em feira de antiguidades, para que você possa aproveitar, ao máximo, o que cada uma delas oferece. Vamos lá.
Cidade encantadora e, mesmo que você fosse nativo, eu duvidaria que conhece todas as belezas que a cidade guarda. Lisboa é, na verdade, uma cidade que não para de me surpreender. Como o objetivo aqui é outro, vamos ao que interessa: a Feira da Ladra. Existe desde o século 13 e já esteve em vários lugares da cidade. Há tempos, está agora situada no imenso Campo de Santa Clara, facilmente acessível por todas as formas de transportes existentes em Lisboa (ônibus, bonde, táxi). Para mim, a melhor forma de acesso é a pé, uma vez que é próximo do centro e o caminho é cheio de surpresas: há vários antiquários ao longo do caminho e que se intensificam próximo a Sé até as imediações do início (para outros é o fim) da feira (o Arco de São Vicente). A feira se estenderá até o campo de Santa Clara (outros preferem dizer que o inicio da feira é aqui).
Praticamente tudo o que você imaginar estará a venda ali: desde roupas novas, passando pelas usadas, até objetos que você nunca viu na vida. Milhões de quinquilharias e velharias se esparramam por esta vasta área, um pouco desordenada, uma vez que o ingresso de vendedores é livre. Os objetos estão em estandes, pendurados, no chão e onde mais você possa imaginar. Não há uma ordem que eu poderia aconselhar a você começar a trilha-la. O ideal é que você visualize alguns postos-chave e se guiar por eles, como forma de não repetir caminhos. Eu, particularmente, me treinei em enxergar só o que me interessa e vou direto a isso. É como fazer uma barreira visual: objetos fora de interesse não são vistos.
A proposito, a feira acontece as terças e aos sábados. Os vendedores fixos sempre estarão por lá. As novidades ficam por conta daqueles que vendem esporadicamente seus pertences. Leve o nome da feira (da Ladra) a sério: conta a historia que a origem dos objetos segue a ortodoxia do seu nome.
Estes objetos que estão a venda neste tipo de feira encontrarão compradores, conforme os critérios de seleção de cada um. O que é interessante pra mim, certamente não é pra você. O que você acha bonito, possivelmente eu não ache. A dica: foque naquilo que você gosta, não vá a este tipo de feira para comprar algo para outra pessoa: é difícil e cansativo.
Centre a sua atenção em um tipo de objeto (no máximo, três). Nos últimos tempos, eu só enxergo objetos sacros (em primeiro), cristais (em segundo) e porcelanas (em terceiro). Pare só quando avistar algo do seu interesse, pergunte o preço e inicie o processo de pechincha (como eu já disse aqui, isto faz parte do ritual): se for algo do tipo “eu não posso ficar sem isso” leve logo, pois a chance de não encontra-lo depois de uma volta, aqui, é grande. Está em dúvida? Siga adiante e não leve. Afinal, há muita coisa a ser vista.
Se você é do tipo que gosta de antiguidades, certamente saberá fazer a distinção entre o que é velharia, quinquilharia e o que é antiguidade. Isto fará a diferença, uma vez que você, a estas alturas, está dentro de um mar comporto por um mix disso tudo. Existem verdadeiras preciosidades ali no meio e a sua astúcia é que o levará até elas.
Vá na terça e vá no sábado: as “mercadorias” são diferentes a cada dia. Percorra todos os locais que ficam a céu aberto. Certamente você se impressionará com algumas coisas e pelos preços que por elas são pedidos que, algumas vezes, desestimularão o processo de pechincha (acontece muito com vendedores de uma única peça). Depois que você percorreu toda (mas toda) a feira, então vá ao Mercado e ao seu entorno, onde estão situados vários antiquários. São, certamente, os que vendem suas peças pelos preços mais acessíveis do que aqueles situados na zona dos antiquários. Ali é possível encontrar uma profusão de objetos raros e importantes, até porque a historia portuguesas é rica o suficiente para justificar esta profusão. Claro, contente-se com objetos transportáveis, não resolva se apaixonar por um altar de uma igreja do século XIV, impossível de ser carregada e certamente impossível de ser despachada (sim, algumas peças precisam de declaração de procedência, laudo de arquiteto, registros de cartórios e uma infinidade de outras burocracias). Mas tenha certeza que, se a sua busca foi minuciosa e detalhista, você sairá recompensado e se sentindo único. Eu classificaria os preços ali praticados como um dos mais baratos da Europa e a qualidade das peças de média a alta. Mas como eu falei, isso é pessoal, depende da sua perspicácia e do que você está em busca.
Bem maior do que a Feira da Ladra, compativelmente. Estende-se por quadras e quadras do trecho compreendido entre a Porta de Toledo e o bairro La Latina. Funciona todo o domingo e é preciso usá-lo todo caso você queira vê-lo como um todo (eu, particularmente, acho que um dia só não é suficiente, daí a necessidade de focar em um determinado tipo de objeto, como forma de otimizar o tempo).
Praticamente tudo por lá é setorizado: a locais específicos para coisas novas, para roupas, para utensílios novos, etc. etc. NO meu caso, o interesse restringe-se a antiguidades (claro, estão excluídas as quinquilharias e as velharias que não me interessam de forma alguma). Então, a calle Rodas e imediações é o meu destino. A Espanha é, certamente, um grande deposito de preciosidades mas nem todas estão à venda ou, pelo menos, são “compráveis”. Nesta temporada os preços praticados estão nas alturas e, de certa forma, incompatível com o objeto precificado. A título de exemplo: como meus olhos estão voltados à objetos sacros, o primeiro preço que eu perguntei foi de um sacrário, do século XI (segundo o vendedor e em um primeiro momento, temos que acreditar, uma vez que a boa fé é presumida), à venda pela bagatela de 28 mil euros (e ainda acrescentou “eu posso fazer por …”). Como eu não me desanimo fácil, fui em frente. É muita coisa (mesmo) esparramada pelas calçadas, dentro das lojas, penduradas nas paredes, no meio da rua, enfim, em todo e qualquer espaço, tem alguma coisa.
Começamos a peregrinação em El Rastro por volta das 9 horas. As 14 horas eu não tinha comprado nada. Pelo óbvio, eu já poderia parar de escrever por aqui. Mas não me dei por vencido. Insisti, e seguimos à caça. Mesmo me considerando com os olhos “treinados” eu não via nada além de quinquilharias e velharias. À certa altura, parei porque minha amiga tinha se interessado por alguns arabescos de bronze, certamente retirados de algum móvel e que compunham um conjunto realmente interessante … A negociação foi complicada, uma vez que não entendíamos o que o vendedor falava e, principalmente, o preço (ele precisava fazer um esforço descomunal para produzir uma voz praticamente inaudível). Ao final, saímos de lá com os pesadíssimos bronzes. Na sequência, entramos em uma quadra onde o forte era roupas usadas e, uma das lojas, minha amiga se interessou por uma toalha de mesa de linho. Preço: 7 mil euros. Ali terminou nossa incursão por El Rastro.
Em conclusão: vale a pena trilhar por El Rastro? Vale, se você gosta de antiguidades. Vale se você quer desfocar de seus objetos de interesse. Vale, se você não quer gastar (missão (quase) impossível quando há milhões de coisas desinteressantes). Vale, se você não tiver coisa melhor para fazer!
Para muitos, a maior feira a céu aberto europeia é a Feira de Porta Portese. Realmente é grande, mas é uma feira setorizada e isso significa que você pode ir direto aos seus objetos de desejo. No meu caso, ao setor de antiguidades. Situa-se no local que lhe empresta o nome: em Porta Portese, as margens do rio Tibre e bem próximo a ponte Suplício. A feira estende-se da Porta a Viale di Trastevere. Este trajeto, praticamente reto, a certa altura, se bifurca e é exatamente aí que se inicia o setor de antiguidades (claro, também velharias e quinquilharias) Aos moldes das outras feiras de rua da Europa, tudo o que for imaginável estará a venda em Porta Portese mas de forma mais organizada do que em outros lugares. Talvez o segredo, aqui, seja o de ir o mais cedo possível, uma vez que, a partir das 14 horas, as barracas começam a ser desmontadas e os vendedores que esparramaram seus objetos no chão começam a juntá-los e ir embora. Mas, por outro lado, é também o melhor momento para você conseguir um preço mais do que interessante, uma vez que o vendedor, além de estar interessado no dinheiro, também está interessado de não ter que levar (mais uma vez) aquela peça de volta. Particularmente, eu uso e abuso deste horário.
Este é, certamente, o lugar em que eu mais tenho trabalho: é muita coisa interessante e importante a ser vista. Praticamente tudo me interessa (claro, estou seguindo a minha regra, no máximo três tipos de objeto ocupam minha atenção). A princípio, tudo ali está carregado de um valor histórico impressionante: afinal, Roma habita o imaginário dos apreciadores de antiguidades desde sempre. Algumas noções básicas sobre antiguidades são importantes, uma vez que é preciso distinguir o joio do trigo.
Há muitas peças em mármore (em todas as suas variantes de cores), cristais, santos (em madeira e em mármore, mas aqui eu me encanto nos em mármore), adornos, detalhes em mármores que pertenceram a edificações, bronzes e uma infinidade de outros objetos. Este setor não é muito extenso, o que permite, ao menos, duas voltas completas.
Não perca tempo com as escassas velharias e quinquilharias que existem por ali. Centre-se naquilo que é antiguidade (ou que você acha que é). Como todo o mercado deste tipo, a regra da pechincha vale aqui também … os italianos são mais reticentes, mas nenhum resiste a sua “aparente” desistência … eles lhe chamarão de volta, aceitando o seu último preço.
Olhe, examine, avalie e, principalmente, verifique se você poderá carregar o que você pretende comprar. Pode? Compre. Você não se arrependerá. As minhas peças mais importantes são romanas. Aliás, um dos meus primeiros objetos antigos comprei a primeira vez que fui à Roma e, até pouco tempo, era o meu preferido pela historia envolvida. O tempo passa, os interesses mudam e a peça mais importante passa a ser a última que você comprou. Pelo menos com os obsessivos por antiguidade é assim que funciona.
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